Participantes do 1º Seminário Canoas em Luta: a Mulher Negra em Debate elaboraram a Carta de Canoas (veja íntegra abaixo). O evento ocorreu na manhã desta quinta-feira, no Auditório Sady Fontoura Schwitz da Prefeitura, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, em 25 de julho.
Na abertura dos trabalhos, o prefeito Jairo Jorge saudou as participantes e ressaltou a importância do debate para contribuir na elaboração de políticas públicas para as mulheres negras. O vice-prefeita e secretária da Saúde, Beth Colombo, que o representou no encontro, disse que a dívida para com os negros do país está no dia a dia e é impagável, mas eventos como os de hoje despertam a consciência para a igualdade. Observou, ainda, que a força física e de alma dos negros evitou que fossem aniquilados. O seminário foi aberto pelas coordenadoras de Políticas para as Mulheres, Maria Aparecida Flores de Lima e de Políticas de Igualdade Racial, Maria Aparecida Mendes. A Coordenadoria da Diversidade apoiou o evento.
Violência
A palestrante convidada, professora Franquelina Marques Cardoso, fez um relato sobre a história de opressão e falta de oportunidade para os negros, alertando que uma das maiores formas de violência contra a etnia, atualmente, são o racismo e a desigualdade social. Também sugeriu políticas públicas para as mulheres negras nas áreas da educação, saúde e mercado de trabalho.
Nos momentos culturais, houve apresentações de dança afro com Tatiana Fragoso e do grupo Zinga Black, da Associação Beneficente e Cultural Afrodança Ojuobá, formado por crianças e adolescentes. O encerramento teve samba da minibateria da escola Unidos do Guajuviras e participação das porta-bandeiras das escolas de samba Acadêmicos de Niterói e Os Tártaros.
CARTA DE CANOAS
Excelentíssimo Senhor Jairo Jorge
Prefeito da cidade de Canoas
A Coordenadoria das Políticas de Igualdade Racial, a Coordenadora das Políticas para Mulheres e o Grupo Multiétnico de Empreendedores Sociais, juntamente com a sociedade civil representada por 157 pessoas que se fizeram presentes no Seminário Canoas em Luta; Mulher Negra em Debate, após assistirem a palestras com temáticas voltadas para a situação da mulher negra nas diversas áreas sociais, acompanharam as reivindicações levantadas por elas, a fim de formular um documento a ser entregue a vossa excelência, para assim tomar conhecimentos das necessidades específicas dessa fatia da sociedade, que representa 50% da população brasileira.
Considerando a situação das mulheres negras das comunidades de Canoas que possuem baixa escolaridade e estão na faixa de 40 anos fora do mercado de trabalho ou no mercado informal.
Considerando a pesquisa realizada pelo DIEESE que diz que a vivência das afro descendentes no mercado de trabalho tem sido sistematicamente frustrada por elevadas taxas de desemprego.
Em um contexto de baixo crescimento econômico, a escassez de oportunidades de trabalho foi sentida de maneira mais aguda pelas trabalhadoras negras. Aqui no estado, o diferencial observado para esse indicador entre os homens não-negros (11,9%) e as mulheres negras (25,7%) alcançou 13,8 pp. Uma explicação rápida e superficial para a segregação sofrida pelas afro brasileiras na região.
Considerando a falta de creches para que estas mulheres negras possam trabalhar.
Considerando a falta de oportunidades para profissionais formados acima de 40 anos.
Considerando a não existência de cotas para negros nos concursos públicos
Considerando que mais de um terço dos ocupados na pesquisada pela PED encontram-se em situação vulnerável de trabalho, isto é, são assalariados sem carteira assinada, autônomos, trabalhadores familiares não-remunerados ou empregados domésticos onde as mulheres negras representam 93% das profissionais conforme pesquisa do IPEA.
Considerando que as mulheres negras brasileiras ocupam o nonagésimo oitavo lugar entre 140 países, levando em conta o Índice de Desenvolvimento ajustado ao Gênero (IDHG) que avalia a renda per capita, nível de instrução e o nível de expectativa de vida.
Considerando a saúde da mulher negra a qual apresenta o maior índice de morte materna motivadas por pressão alta entre outras doenças étnicas tais como; diabetes e anemia falciforme.
Considerando que a Lei 10639/03 ainda não foi efetivamente implementada nas escolas municipais, estaduais e privadas, sendo ela um alicerce para o combate ao racismo e promoção para igualdade racial.
Considerando a falta de um acervo de bibliografias, formação continuada de trabalho para professores.
Considerando o baixo índice de escolaridade da mulher negra constatado pelo IBGE.
Por essa razão foram elencadas propostas pela sociedade civil na área de educação, mercado de trabalho e saúde por serem áreas que possuem necessidades emergenciais para essa parcela da população.
PROPOSTAS
MERCADO DE TRABALHO
Políticas de geração de renda às mulheres da comunidade de Canoas para criar uma frente de trabalho; realizar um diagnóstico para conhecer o potencial de cada uma e após formar cooperativas e /ou associações.
Cursos profissionalizantes, cursos técnicos.
Trabalhar a auto-estima das mulheres negras por meio de palestras motivacionais para lideranças.
Cotas para concurso público
Cotas nas empresas privadas
Inserção da mulher acima dos 40 anos no mercado de trabalho
Criação de creches comunitárias para as mulheres negras desenvolverem suas atividades profissionais com tranqüilidade.
EDUCAÇÃO
Lei 10.639/03 ser efetivada no âmbito escolar tendo em vista a igualdade racial, negros, ciganos e indígenas solicitamos por parte da Secretaria de Educação.
Uma retomada na literatura com análise criteriosa com especialistas para selecionar as bibliografias e temas que contemplem as referidas culturas.
Capacitar o corpo docente para saber trabalhar a temática
Desenvolver projetos específicos, a fim de motivar as mulheres negras das comunidades a darem continuidade aos estudos.
Integração com outras etnias nas áreas cultural, social e educacional, a fim de conhecer melhor as demais culturas.
Que as escolas façam trabalhos de integração no âmbito nacional, municipal e estadual.
Grupos de trabalhos sistemáticos e contínuos para capacitar professores para melhor atender as diretrizes curriculares nacionais para educação das relações étnicos raciais e para ensino da história e cultura afro brasileira
SAÚDE
Que o município de Canoas implante um programa que preveja o diagnóstico a identificação e a capacitação dos profissionais da saúde pública para atender a população afro-brasileira lotada em Canoas.
Que os profissionais de saúde como os técnicos em enfermagem estejam capacitados a realizar exames de coleta ginecológica (papanicolau) encurtando o tempo de atendimento e os prazos de resultados da entrega dos referidos exames.
Que o município promova campanhas públicas de divulgação da doença falciforme entre outros males
Que nos formulários de identificação de atendimento médico seja mais bem identificado o quesito raça, que haja melhor treinamento dos funcionários dos postos de saúde para que orientem os pacientes a se auto-identificarem.
Fortalecer o município implantar de fato e de ato uma política de planejamento familiar, a qual trate de implantar o uso dos métodos contraceptivos nas ações da saúde pública
Que se implante no município um efetivo plano de saúde mental direcionado à população negra
Um programa que trate de ações de identificação e combate à depressão esquizofrênica e uso de entorpecentes.
Que uma política pública que barre o crescimento da epidemia HIV em Canoas seja implantada de fato e de ato que haja um olhar específico para a vulnerabilidade existente junto à população negra canoense em relação ao HIV e demais doenças sexualmente transmissíveis e as hepatite B e C.
Respeitar os costumes de cada etnia, como exemplo a cultura cigana, e que médicos ginecologistas serem mulheres
Considerando as necessidades aqui levantadas pela sociedade civil encaminhamos esta carta a fim de buscar junto à prefeitura a efetivação de Políticas Públicas de ações afirmativas para as mulheres negras deste município.
Certo de seu acolhimento e interesse em atender as demandas da comunidade do município de Canoas remetemos esta carta."
Eloá da Rosa